O CRO-SC obteve liminar na Justiça Federal impedindo o dentista Marco Antonio Botelho Soares de utilizar e divulgar técnica de modulação hormonal com nanopartículas sem qualquer evidência científica. Ele foi intimado nesta manhã por oficial de justiça e está igualmente proibido de ministrar cursos sobre o tema em todo o estado, o que vinha anunciando em suas redes sociais, com datas em todo o país, incluindo aula marcada para hoje (20 de julho) em Balneário Camboriú.
Ao tomar conhecimento da flagrante ilegalidade ampla e intensamente divulgada pelo dentista, o Conselho Regional de Odontologia de Santa Catarina agiu imediatamente e pediu tutela de urgência junto à Justiça Federal, o que foi deferido pelo juiz Cristiano Estrela da Silva. A íntegra da decisão está publicada no www.croscsc.org.br
A tese do CRO, acatada integralmente pelo magistrado, é de que o dentista Marco Antônio Botelho Soares subverte a ordem constitucional e infraconstitucional em detrimento da saúde, dos direitos dos pacientes e, principalmente, desrespeitando o exercício profissional da odontologia. A ação, segundo a presidente do Conselho, Sandra Silvestre, é antes de tudo de interesse público, para controlar o limite da competência legal da profissão. “É importante frisar que a odontologia é uma área de saúde e tem elevada importância em âmbito coletivo,” destaca Sandra, lembrando que quando o Código de Ética limita a atuação do cirurgião dentista, é em defesa da saúde e do interesse público para evitar abusos, impedindo que executem tratamentos fora do âmbito da odontologia. “Sempre que o CRO atuar neste sentido, estará protegendo milhares de profissionais sérios, que honram sua profissão, respeitam seus pacientes e toda a sociedade”, acrescentou a presidente. Segundo ela, O CRO-SC, desde a posse da atual diretoria, está vigilante para coibir irregularidades que prejudicam a população, ferem a lei e maculam a imagem do cirurgião-dentista.
Na decisão, que inclui pena de multa diária em caso de descumprimento, o juiz citou ainda a Resolução CFO-199/2019 proíbe a realização de terapias denominadas de modulação e/ou reposição e/ou suplementação e/ou fisiologia hormonal por cirurgiões-dentistas fora de sua área de atuação e que determina, no artigo 1º que “ficam vedadas, ao cirurgião-dentista, a prescrição e a divulgação de terapias denominadas de modulação e/ou reposição e/ou suplementação e/ou fisiologia hormonal, bem como a utilização de quaisquer outros termos não reconhecidos cientificamente, fora da sua área de competência e atuação.”
Assim, o juiz federal entendeu que o “réu está atuando em área diversa da qualificação que possui, praticando ato privativo de médico em detrimento da saúde pública e que ao anunciar e pretender ministrar curso em área onde não há evidências científicas dos benefícios e dos riscos e malefícios que trazem à saúde, constata-se que se trata de atuação profissional irregular.”
CÓDIGO DE ÉTICA ODONTOLÓGICA:
http://www.crosc.org.br/arquivos_pdf/codigo_etica_2013.pdf
ÍNTEGRA DA DECISÃO:
Poder Judiciário
JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária de Santa Catarina
2ª Vara Federal de Florianópolis
PROCEDIMENTO COMUM Nº 5016595-07.2019.4.04.7200/SC
AUTOR: CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DE SANTA CATARINA –
CRO/SC RÉU: MARCO ANTONIO BOTELHO SOARES
DESPACHO/DECISÃO
O CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DE SANTA CATARINA – CRO/SC ajuizou a presente ação em face de MARCO ANTONIO BOTELHO SOARES objetivando, em síntese, verbis:
- a) a citação do Réu, para querendo apresentar defesa prévia, nos termos do art. 277 do CPC;
- b) a concessão da medida liminar para o Réu seja compelido de se abster de ministrar “Cursos de Modulação Hormonal”, em todo o Estado de Santa Catarina, sob pena de multa diária em caso de descumprimento;
- c) a intimação do Ministério Público Federal, para acompanhar o feito;
- d) que ao final, seja confirmada na sentença o pedido da tutela antecipada, julgando totalmente procedente a presente ação, a fim de que o Réu se abstenha de realizar os “cursos de modulação hormonal” e de divulgar na mídia tal “técnica e tratamento”, sob pena de multa diária a ser fixada por Vossa Excelência;
(…)
Nos dizeres da inicial, “O Conselho Regional de Odontologia de Santa Catarina teve conhecimento, por meio de consulta a mídia e redes sociais, que o Requerido, cirurgião dentista Marco Antônio Botelho Soares,está utilizando técnica de Modulação Hormonal com nanopartículas – sem qualquer reconhecimento científico – e divulgando em seu site e redes sociais o Curso de Modulação Hormonal por todo País, sendo que aqui no Estado de Santa Catarina, referido curso será ministrado nas seguintes datas e cidades, conforme se comprova pelos documentos anexos: 20/07/2019 – Balneário Camboriú/SC; 23/07/2019 – Florianópolis/SC. As informações atinentes aos cursos estão diretamente veiculadas o site da EventBrite, cujo documento também se encontra anexo a esta peça processual: https://www.eventbrite.com.br/e/inscricao-para-curso-modulacao-hormonal-nano-moduloiiprotocolo-dr-marco-botelho-balneario-sc-07-tickets-58991009698?aff=ebapi. Ocorre, Excelência, que o dentista Requerido está subvertendo a ordem constitucional e infraconstitucional, em detrimento da saúde, dos direitos dos pacientes (consumidores) e, principalmente, desrespeitando o exercício profissional da Odontologia. A presente medida é antes de tudo de interesse público, pois caso o Requerente não utilize todas as medidas disponíveis para controlar o limite da competência legal da profissão e em desacordo com o Código de Ética está descumprindo com suas atribuições institucionais. É importante frisar que a Odontologia é uma área de saúde e tem elevada importância em âmbito coletivo. Neste sentido, quando o Código de Ética limita a atuação do cirurgião dentista, fá-lo em defesa da saúde pública e do interesse público para evitar abusos, e que profissionais da Odontologia executem tratamentos fora do âmbito da Odontologia.” Juntou documentos.
Os autos vieram conclusos para análise do pedido de liminar (evento 8).
No evento 11 o autor informa e requer:
- O Local de realização do curso ofertado pelo requerido, qual seja: Hotel Mercure de Balneário Camboriú (sito a Avenida Atlântica, 2010, Centro, Balneário Camboriú), a partir das 09hs da manhã do dia 20 de julho;
- Caso haja o deferimento da liminar requerida na inicial, requer que seja intimado por oficial de justiça o estabelecimento acima indicado.
- Requer por fim, em caso de deferimento o uso de força policial se for o caso, para cumprimento da ordem judicial.
Em nova manifestação, no evento 12, a parte autora diz “1. Que o curso ofertado é exatamente o mesmo que fora ofertado em março do corrente ano,como esclarecido na exordial. 2. Destaca-se que a Resolução 199/2019 como comprovado veda tal conduta, uma vez que proíbe de realizar, ministrar e divulgar questões atinentes à Modulação hormonal, não há qualquer reconhecimento científico da modulação hormonal. 3.Importante ressaltar que o requerido somente visa burlar o judiciário e também os Conselhos Profissionais, alterando o nome dos cursos ministrados, entretanto pelas imagens anexas, se comprova que o curso ministrado é o mesmo, ou seja, de modulação hormonal.” Juntou cópias de imagens extraídas do Instragram.
Decido.
A concessão da tutela de urgência exige a presença simultânea de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano, a teor do art. 300, caput, do CPC.
Nesse exame de cognição sumária, vislumbro a presença de ambos os requisitos.
Cumpre destacar que somente médicos podem indicar e executar prescrição de cuidados médicos e procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, não se aplicando aos dentistas essas prerrogativas.
Nesse sentido, a Lei nº 12.842/13, em seu art. 4º elenca as atividades privativas dos médicos, a saber:
Art. 4º – São atividades privativas do médico: I – (VETADO); II – indicação e execução da intervenção cirúrgica e prescrição dos cuidados médicos pré e pós-operatórios; III – indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias; (…) XIII – atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas; XIV – atestação do óbito, exceto em casos de morte natural em localidade em que não haja médico. (…) § 3º As doenças, para os efeitos desta Lei, encontram-se referenciadas na versão atualizada da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. (…) § 6º O disposto neste artigo não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação.” (grifei)
Não bastasse isso, a Resolução CFO-199/2019 proíbe a realização de terapias denominadas de modulação e/ou reposição e/ou suplementação e/ou fisiologia hormonal por cirurgiões-dentistas fora de sua área de atuação:
(…) O Presidente do Conselho Federal de Odontologia, no uso de suas atribuições legais e regimentais, “ad referendum” do Plenário,
Considerando que a Lei 5.081/66 estabelece que é competência do cirurgião-dentista prescrever e aplicar especialidades farmacêuticas, de uso interno e externo, indicadas em Odontologia;
Considerando a Lei 9965/2000, que regulamenta a venda e dispensação do grupo terapêutico dos esteroides e peptídeos anabolizantes, quando prescritos por cirurgiões-dentistas;
Considerando, ainda, que não há, na docência lato sensu ou stricto sensu, cursos de habilitação ou especialização denominados de modulação e/ou reposição e/ou suplementação e/ou fisiologia hormonal em Odontologia; e,
Considerando que é dever do cirurgião-dentista guardar absoluto respeito pela saúde e pela vida do ser humano, sendo-lhe vedado realizar atos não consagrados nos meios acadêmicos ou ainda não aceitos pela comunidade científica:
RESOLVE:
Art. 1º. Ficam vedadas, ao cirurgião-dentista, a prescrição e a divulgação de terapias denominadas de modulação e/ou reposição e/ou suplementação e/ou fisiologia hormonal, bem como a utilização de quaisquer outros termos não reconhecidos cientificamente, fora da sua área de competência e atuação.
Art. 2º. O cirurgião-dentista poderá prescrever os medicamentos e fármacos dos grupos terapêuticos dos esteroides ou peptídeos anabolizantes, indicados em odontologia, nos termos da Lei Federal 9.965/2000. (…) (grifei)
Dos dispositivos acima mencionados, ao menos nesta análise perfunctória, entendo que o réu está atuando em área diversa da qualificação que possui, praticando ato privativo de médico em detrimento da saúde pública.
Ademais o requerido ao anunciar e pretender ministrar curso em “Modulação Hormonal e/ou Hormônios na Odontologia”, área onde não há evidências científicas dos benefícios e dos riscos e malefícios que trazem à saúde, constata-se que se trata de atuação profissional irregular. Nesse sentido, o Parecer CFM nº 29/2012:
A falta de evidências científicas de benefícios e os riscos e malefícios que trazem à saúde não permitem o uso de terapias hormonais com o objetivo de retardar, modular ou prevenir o processo de envelhecimento.
Assim, presente o requisito da relevância do fundamento.
O periculum in mora, por sua vez, decorre da iminência da realização dos “Cursos de Modulação Hormonal e/ou Hormônios na Odontologia”, nos dias 20 e 23 de julho de 2019, respectivamente nas cidades de Balneário Camboriú/SC e Florianópolis/SC, por profissional não habilitado a ministrar tais cursos, infringindo, em tese, a Lei nº 12.842/13 e a Resolução CFO-199/2019.
Ante o exposto:
- DEFIRO o pedido de tutela de urgência para determinar ao réu MARCO ANTONIO BOTELHO SOARES que se abstenha de ministrar o Curso de Modulação Hormonal em todo o Estado de Santa Catarina, inclusive o já aprazado para o próximo dia 20 de julho , tendo como local de realização o Mercure Camboriu Hotel, localizado na Avenida Atlântica, 2010, centro, na cidade de Balneário Camboriú/SC, sob pena de aplicação de multa única, que fixo no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
- Expeça-se mandado de intimação desta decisão e de citação, a ser cumprido por Oficial de Justiça, se necessário, em regime de plantão, nas dependências do Mercure Camboriu Hotel, antes do início do evento, programado para iniciar às 9 horas do dia 20 de julho de 2019, autorizando que o Oficial de Justiça Avaliador Federal se valha de força policial para o integral cumprimento da ordem, em especial da imediata interrupção do curso que está sendo ministrado, caso necessário.
02.1. Com a finalidade de conferir integral cumprimento a ordem liminar ora deferida, caso o réu não se encontre no local acima indicado, deve o Oficial de Justiça diligenciar ou em qualquer outro hotel da região, para efeito de interromper imediatamente a realização do curso que está sendo ministrado pelo réu, MARCO ANTONIO BOTELHO SOARES, valendo-se, para tanto, do auxílio das forças policiais, seja da Polícia Federal, seja da Polícia Militar ou Civil de Santa Catarina.
02.2. À Secretaria para lançar sigilo nível 2 nestes autos, até que cumpridas as determinações do item 2 desta decisão. Após, deverá a Secretaria retirar o sigilo do processo.
- Expeça-se ofício ao Gerente do Mercure Camboriu Hotel, endereço acima, dando ciência desta decisão.
- CÓPIA ESTA DECISÃO SERVIRÁ COMO OFÍCIO, a ser cumprido pelo Oficial de Justiça na oportunidade da intimação e citação da parte ré.
- Deixo de designar audiência de conciliação, em razão da natureza do direito aqui versado – art. 334, §4º, II, CPC.
- Apresentada a contestação, abra-se vista à parte autora para a réplica, no prazo de 15 (quinze) dias.
- Após, intimem-se as partes para, em 15 (quinze) dias, manifestarem-se acerca das provas que pretendem produzir, justificando-as, isto é, indicando especificamente a finalidade da produção da prova e o fato que se busca provar. Havendo pedido de produção de provas, devidamente especificadas e justificadas, venham conclusos para saneador; caso contrário, intime-se as partes para apresentação de alegações finais, no prazo sucessivo de 15 dias, a iniciar pela parte autora, nos termos do art. 364, § 2º, do CPC.
- Após, venham os autos conclusos para sentença.
- P.I
Documento eletrônico assinado por CRISTIANO ESTRELA DA SILVA, Juiz Federal Substituto na Titularidade Plena, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 720004995122v11 e do código CRC 192d8ab1. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): CRISTIANO ESTRELA DA SILVA Data e Hora: 17/7/2019, às 20:26:35