Cirurgiões-Dentistas desempenham um papel estratégico no atendimento de pacientes oncológicos, principalmente quando atuam em hospitais especializados. Para conhecer esse trabalho, a Sorrisos Brasileiros conversou com as equipes de duas importantes instituições: o Hospital de Câncer de Mato Grosso, de Cuiabá/MT, e o Hospital de Amor, de Barretos/SP.
Quando se fala em tratamento do câncer, é natural imaginar que toda a atenção dos profissionais de Saúde está concentrada na área afetada pelo tumor, no entanto, o bem-estar e a recuperação dos pacientes também depende do correto manejo dos efeitos colaterais decorrentes das terapias adotadas. É nesse cenário que o trabalho de Cirurgiões-Dentistas é cada vez mais relevante nos hospitais especializados no tratamento oncológico do Brasil.
Essa equipe assiste pacientes adultos e crianças, a área de cuidados paliativos e também atua no rastreio e diagnóstico precoce do câncer de boca na região de Barretos”, explica o cirurgião-dentista Fábio Coracin, que coordena o departamento junto com outro cirurgião-dentista, o Victor Tieghi Neto. Em Cuiabá/MT, no Hospital de Câncer de Mato Grosso, a equipe de Odontologia é dedicada ao atendimento integral do paciente oncológico, desde o diagnóstico até a reabilitação final. “Prestamos assistência ambulatorial, tanto aos pacientes em tratamento como àqueles que já receberam alta.
Também estamos presentes nas UTIs adultas e pediátricas e nos leitos de enfermaria ou apartamentos de pacientes internados”, afirma Maria Carmen Palma Faria Volpato, cirurgiãdentista, especialista em Prótese Bucomaxilofacial e habilitada em Odontologia Hospitalar. Vale lembrar que o departamento é filantrópico e recebe a todos que buscam atendimento, sendo custeado pelo próprio hospital com a ajuda da entidade Rede Feminina Estadual de Combate ao Câncer de Mato Grosso, que custeia próteses para os pacientes carentes. Segundo ela, o atendimento dos casos suspeitos começa com biópsia e citologia e, quando confirmados, são encaminhados à área médica responsável. Há também o atendimento pré-radioterapia, principalmente dos pacientes da área de cabeça e pescoço, e a aplicação de laserterapia para os que passam por radioterapia e quimioterapia. Ao final do tratamento, realiza-se a reabilitação oral e bucomaxilofacial do paciente.
Além de atuarem no diagnóstico e nas terapias relativas aos diferentes tipos de cânceres bucais, esses profissionais têm um papel essencial no combate e na atenuação dos efeitos indesejados que as cirurgias, radioterapia e quimioterapia provocam na cavidade oral dos pacientes. No Hospital de Amor – antes conhecido como Hospital de Câncer de Barretos –, por exemplo, o departamento de Odontologia já existe há mais de 30 anos. Iniciado pelo cirurgião-dentista Hélio Tanimoto, com o objetivo de tratar e reabilitar os pacientes oncológicos – principalmente aqueles com tumores de cabeça e pescoço –, hoje atende também outras demandas, como hematologia, transplante de medula óssea e unidades de terapia intensiva. “Atualmente, a equipe do Departamento de Odontologia conta com 13 profissionais.
Combatendo os efeitos adversos
Um dos problemas colaterais mais frequentes enfrentados pelos pacientes de câncer na região da cabeça e do pescoço é a mucosite decorrente do enfraquecimento do sistema imunológico. Essa inflamação aparece na parte interna da boca e da garganta e pode levar a úlceras e feridas. “A boca é uma região muito nobre e delicada. Qualquer afta, a gente já sente um grande desconforto, imagina uma pessoa que tem um tumor ou uma lesão que compromete a fala, a deglutição e a mastigação.
Outra importante intercorrência é a osteorradionecrose, ou seja, necrose óssea provocada pela diminuição da vascularização induzida pela radioterapia, uma condição dolorosa e de difícil tratamento. “Os equipamentos de radioterapia mais modernos, como os tridimensionais, já minimizam a ocorrência do problema. Mas a laserterapia também é indicada na prevenção e no tratamento. Além disso, outra forma de prevenir é encaminhar todo paciente que vai iniciar tratamento na região de cabeça e pescoço para a avaliação dos cirurgiões-dentistas do departamento. Assim, se houver algum problema periodontal, já fazemos o tratamento e diminuímos as chances de complicação”, explica Maria Carmen.
Propósito compartilhado
Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), estima-se que para cada ano do triênio 2020-2021-2022 sejam diagnosticados 15.190 novos casos de câncer de boca e orofaringe no Brasil, sendo 11.180 em homens e 4.010 em mulheres. Maria Carmen fala sobre a atuação conjunta do Departamento de Odontologia e os demais setores da instituição. “Antes da pandemia, as equipes multidisciplinares do hospital iam até o interior do estado fazendo campanhas de prevenção e diagnóstico precoce. Os pacientes eram atendidos em seus municípios e, nos casos suspeitos, eram encaminhados para o hospital. Infelizmente, esse trabalho ainda está suspenso, mas a expectativa é que essas campanhas sejam retomadas em breve, pois é muito importante que tudo isso esteja ao alcance das pessoas, não importa onde vivam”, afirma.
Já o Hospital de Amor de Barretos possui um departamento dedicado à prevenção do câncer de boca, com foco no rastreio da população de risco para a doença. “Esta ação envolve uma unidade fixa e uma unidade móvel que percorre Barretos e região, realizando busca ativa, bem como o diagnóstico precoce. Os pacientes são encaminhados para o departamento de Odontologia para execução do exame diagnóstico final e aqueles pacientes com diagnóstico positivo são encaminhados para o tratamento no Hospital de Amor”, detalha Coracin. Trabalhos como os realizados em Barretos e Cuiabá mostram a importância de cada vez mais pessoas terem acesso a esse tipo de atendimento. “O principal é atuar na prevenção, fazer buscas ativas, informar, educar e facilitar o acesso a esses atendimentos”, diz Maria Carmen. Já Coracin fala em conscientização sobre mudanças de hábito. “Devemos intensificar as estratégias de prevenção primária e conscientização sobre os efeitos adversos do tabagismo, consumo de álcool e exposição crônica ao Sol. Além disso, treinar os profissionais de Saúde para identificar as lesões suspeitas de câncer ou de uma lesão com potencial de malignização, já que o diagnóstico precoce nos estágios iniciais sempre apresentarão melhores resultados”.
Vocação e inspiração
Trabalhar diretamente com pacientes oncológicos significa presenciar os efeitos de um tratamento muito agressivo, mas o foco é sempre no bem-estar e no que pode ser atenuado no quadro geral. “Nós estamos ali para melhorar a qualidade de vida do paciente, independentemente se ele tem uma semana de vida ou um longo caminho pela frente. Nosso papel é dar dignidade, conforto e fazer com que ele consiga ter qualidade de vida mesmo passando por um momento de tanta dificuldade”, diz Maria Carmen.
O Hospital de Câncer de Mato Grosso conta com o total de 13 cirurgiões-dentistas, dos quais, dez são cirurgiões bucomaxilofaciais (quatro preceptores e seis alunos residentes); uma protesista bucomaxilofacial; um especialista em dentística restauradora e uma habilitada em Odontologia Hospitalar. Maria Carmen afirma que, junto com a equipe do hospital, ela coloca em prática todos os dias a vontade de fazer a diferença. “Estou aqui desde 2001, quando o departamento foi inaugurado. Minha motivação é inspirada em minha avó, que foi acometida pelo câncer e eu vi o quanto minha mãe também sofreu nessa jornada. Decidi, então, que iria usar minha profissão para ajudar e melhorar a qualidade de vida desses pacientes e de suas famílias. Sou apaixonada pelo que faço, tenho uma gratidão muito grande por ser parte dessa equipe e desse hospital que ajuda e salvar milhares de pessoas”.
A união entre Medicina e Odontologia foi o que motivou Coracin a perseguir essa área de trabalho. “O início da minha carreira com pacientes oncológicos foi há 20 anos, ainda como profissional recém-formado. O desafio de entender as etapas do tratamento médico e onde a Odontologia seria inserida nesse contexto foi o grande motivador para minha escolha. É assim que o Hospital de Amor/Hospital do Câncer de Barretos segue uma trajetória de mais de 30 anos dedicados ao propósito de executar uma Odontologia cada vez mais humanizada”.